José Augusto Ferreira (Unimed BH) e Reginaldo Teófanes (Central dos Hospitais) concordam que a pandemia trouxe um novo cenário, com oportunidade de aumentar a eficiência hospitalar, mudar o modelo de remuneração e oferecer à sociedade melhor acesso ao sistema de saúde.
O DRG Brasil Convida de
1º de junho prestou uma homenagem especial à Planisa, na ocasião representada
por seu Diretor Técnico, Professor Marcelo Carnielo. Este mês é o aniversário
de 32 anos desta empresa, que introduziu a gestão de custo em saúde no Brasil.
A Planisa foi criada pelo icônico Prof.
Afonso, Doutor em Saúde Pública, Professor da FGV-SP, falecido recentemente,
que foi o cientista e o precursor dos custos em saúde no país. A disseminação
da capacitação em custos se tornou um propósito existencial que mudou a
história do setor de saúde brasileiro.
Sobre a relevância do
tema da live, o jornal Valor Econômico do dia 28/05 traz a manchete: “Receita
dos hospitais deve cair 30 a 40%”. Este é um problema de cada um dos 220
milhões de brasileiros.
Hoje os hospitais vivem
uma crise econômica, mas amanhã cada cidadão brasileiro sofrerá com as
dificuldades de acesso a um equipamento hospitalar que entregue medicina nos
níveis de qualidade atual. O problema dos hospitais é um problema de todos os
brasileiros.
O DRG Brasil convidou dois experimentados executivos da saúde para responder uma pergunta: como garantir sustentabilidade hospitalar na pandemia?
- JOSÉ AUGUSTO FERREIRA - Diretor de Provimento de Saúde da Unimed BH
- REGINALDO TEÓFANES - Presidente do Hospital Santa Rita, Presidente da Central dos Hospitais MG e Vice-Presidente da Federação Brasileira de Hospitais
O Dr. José Augusto e o
Dr. Reginaldo responderam, em formato de debate, qual a visão deles sobre o
cenário; qual a estimativa pessoal para a duração desta crise; quais são as
propostas para enfrentar a crise econômica da rede hospitalar; e o que os
hospitais e as operadoras aprenderam com a pandemia.
Confira os destaques do
programa DRG
Brasil Convida do dia 1º de junho de 2020:
Renato Couto:
É
um prazer receber mais um DRG Convida, com um grupo seleto de debatedores que
vão abordar um problema bastante atual: como garantir a sustentabilidade dos
hospitais durante a pandemia Covid-19.
Essa
live também tem como
propósito comemorar os 32 anos da Planisa. Hoje nós temos conosco o professor Marcelo Carnielo, o
Diretor a Técnico da instituição, que é parceira do DRG Brasil e com que temos muito
orgulho de trabalhar. A Planisa tem que complementado o nosso conhecimento e
melhorado muito a entrega que precisa ser feito no Sistema de Saúde Brasileiro.
Eu
tenho uma especial afeição à Planisa, não só pela empresa, mas também pelo professor
Afonso que eu tive o prazer de conhecer, uma pessoa especial, que foi professor
da Fundação Getúlio Vargas faleceu recentemente. Foi um cientista e um precursor
de custos em saúde no Brasil, e esse propósito de disseminar a capacitação em
custos para o sistema de saúde brasileiro se tornou um propósito existencial.
A
Planisa, com a imagem do Professor Afonso, é uma empresa de capilaridade
nacional, um gigante com mais de 200 clientes. Ultrapassou as fronteiras e disseminou
amplamente a questão da gestão de custos, também em países da América Latina e
da África. Eu tive uma sorte de conviver com o Professor Afonso, uma pessoa
extremamente afável, de uma beleza incomum e uma grande riqueza intelectual.
Marcelo Carnielo:
Em
nome da Planisa, gostaria de agradecer às pessoas que estão neste momento nos
assistindo às palavras do Dr. Renato do Grupo IAG Saúde, uma empresa que tem há
alguns anos muita proximidade com a Planisa e pela qual temos um carinho especial.
A
Planisa tem o desafio, como uma empresa que já tem agora 32 anos como poucas,
de atuar somente na área da saúde. Eu tenho o desafio de não esquecer os
valores eu que trabalhei e tive a honra e a oportunidade de compartilhar com o
professor Afonso por muitos anos, de ética. Eu o tenho como o grande
profissional da minha da minha vida técnica, e procuramos aliar, ao legado
dele, a necessidade que a empresa tem de inovar.
Como
toda empresa, a Planisa quer se manter sustentável e viva. Não podemos, em
hipótese alguma, esquecer o que o professor sempre colocava: a Planisa é uma
empresa reconhecida nacional e internacionalmente como uma empresa de gestão de
custos, mas não pode responder somente quanto custa. Temos que responder, cada
vez mais, quanto deveria custar, e por isso buscamos incansavelmente gerar
para os clientes não só planilhas de custos, mas a possibilidade de
entendimento de como podemos melhorar aquelas informações de custos, como pode
ser diminuído o desperdício, como que as organizações precisam em gerar eficiência neste mundo – ainda mais neste
momento tão conturbado.
Por
isso temos, com o Grupo IAG Saúde, essa associação da possibilidade de levar
realmente ganhos econômicos, ganhos de eficiência e diminuição do desperdício
que é o grande propósito hoje da Planisa.
Renato Couto:
Como
garantir a sustentabilidade dos hospitais nessa crise produzida pela Covid? Eu queria
voltar a duas manchetes de jornal que fazem um compilado dessa discussão. O Valor Econômico publicou
que a receita dos hospitais deve cair de 30 a 40%, e a Folha de S.
Paulo no seu caderno Cotidiano trouxe uma imensa reportagem sobre a situação
dos hospitais, onde coloca que, com cirurgias adiadas e alto custo da Covid-19,
os hospitais privados temem fechar.
A
crise econômica vivida pelos hospitais hoje não é um problema só dos hospitais,
é um problema que afeta os 220 milhões de brasileiros. Hoje o hospital tem crise
econômica, mas amanhã cada um de nós terá dificuldade de acesso a um equipamento
hospitalar, a uma medicina de boa qualidade. Então o problema dos hospitais é
um problema de todos nós, todos os brasileiros.
Marcelo Carnielo:
A
receita é gerada numa forma totalmente variável. No modelo atual, o que temos na
grande maioria dos hospitais é o fee-for-service, ou seja, se o hospital produziu,
se ocorreu a cirurgia, se utilizou material e medicamento, se realizou o exame,
ele fatura.
O
que vem acontecendo agora com a Covid-19 é que, se o hospital não tem produção,
ele não tem faturamento, mas tem custo fixo, independentemente de receber ou
não pacientes. Então, junto com a queda da receita temos uma estrutura de custo
que se mantém, talvez com a diminuição do percentual no custo variável, mas em contrapartida
com um aumento de custo dos insumos.
José Augusto Ferreira:
A pergunta de quando haverá a possibilidade de retomada vale muito dinheiro. Eu não sei quanto tempo vai demorar essa crise e ninguém sabe, e não se trata simplesmente da crise, trata-se de como tudo vai se comportar pós pandemia. Muita coisa vai mudar, as pessoas vão mudar, as empresas de saúde vão mudar, os hospitais e as operadoras de planos de saúde vão mudar, e eu acho que eu também vou mudar. Este cenário atual é imprevisível, é impactante, é inusitado e é um cenário completamente desconhecido que nos faz aprender dia a dia.
Primeiramente
vou falar do impacto sobre as operadoras. Muito tem se falado que as operadoras
terão um resultado excelente nesse período: não é bem assim. A nossa
sinistralidade de caixa, ou seja, proporcional àquilo que nós efetivamente
estamos recebendo, está em 77% frente uma média histórica de 80, 81, 82%. Ou seja,
uma diferença de quatro pontos percentuais nesse momento em que estão freados
todos os procedimentos eletivos nos faz crer que a tendência dessa
sinistralidade para o segundo semestre é ser superior à média histórica,
exatamente porque há um represamento.
Outra
questão fundamental é a inadimplência, e a dos nossos contratantes triplicou. É
um cenário que não conseguimos prever quais serão os impactos para os diferentes
participantes da cadeia da saúde (colaboradores, cooperados, hospitais, médicos,
clientes, beneficiários).
Em
Belo Horizonte temos um cenário muito especial nesse momento, pois nós não
tivemos o mesmo reflexo que em outras capitais. Muitas hipóteses explicam o cenário,
desde o pão de queijo e a cachacinha – que talvez seja uma explicação [risos] –
a algumas medidas que o sistema de saúde adotou na primeira fase do isolamento,
até a questão do próprio temperamento do mineiro. A verdade é que BH não tem
uma situação semelhante à do Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Manaus e Belém,
que são cidades com alto fluxo de pessoas de outras regiões. Nós não temos um turismo
exacerbado, não temos metrô de altíssimo uso e não tivemos fenômenos de
aglomeração recentes.
Nos
últimos 15 dias estamos percebendo um aumento gradativo do número de pacientes infectados,
até porque estamos testando mais e por isso existem mais suspeitos. Acho que a
rede ambulatorial e a rede hospitalar se prepararam muito bem; todos os hospitais
da cidade criaram um curso de atendimento diferenciado; as equipes foram
treinadas e capacitadas; a Unimed BH participou de um treinamento das equipes
médicas e paramédicas de acordo com as regras da Associação de Medicina Intensiva
Brasileira; os hospitais adotaram protocolos e se prepararam com equipamentos
de proteção; e a Unimed proporcionou junto com a Central do Hospitais uma aquisição
de EPIs em conjunto.
Este
modelo que nós conseguimos fazer aqui em Belo Horizonte devemos muito ao Renato,
que desde o início nos alertou bastante: “essa crise é uma crise de
enfrentamento de quatro fatores principais: leitos, equipamentos, ventiladores e
pessoas”. E eu vou citar um quinto, que é a garantia de fluxo financeiro, para afiançar
tudo isso.
Vamos
sair dessa crise como o Samuel Flan, nosso presidente, gosta de dizer: “com uma
sensação e a certeza de olhar para trás e saber que não tenha ficado nada que nós
poderíamos fazer e não fizemos”.
Reginaldo Teófanes:
Do
ponto de vista do controle da pandemia, foi feito um negócio brilhante em Minas
(em Belo Horizonte principalmente), que foi o achatamento da curva. Agora, o
mundo vai ser outro, o mundo das operadoras e o mundo dos hospitais vão ter que
mudar radicalmente. Como exemplo da absoluta necessidade de mudança podemos
analisar o Hospital Santa Rita, que atendia 12 mil, 15 mil pacientes por mês e atualmente
está atendendo 2 mil.
Vejo
que existe desconfiança absoluta entre o prestador e o operador de saúde, e
isso tem que mudar, o modelo tem que mudar. O modelo do fee-for-service que
estamos carecas de falar é falido, porque quanto mais o hospital faz, mais ele
ganha. Então a mudança tem que ser radical, mas quem que vai patrocinar a mudança
talvez tenha que ser quem paga, ou seja, a fonte pagadora tem que puxar o carro.
Eu
tenho certeza de que o novo mundo será diferente. Restaurar uma confiança entre
operadora e prestador será necessário, o que aqui em Belo Horizonte é muito
mais fácil, mas não é generalizado. Só assim poderemos sair do atoleiro.
Renato Couto:
Nós
temos uma crise que é circunstancial, de tempo indefinido, e segundo as
consequências econômicas a recuperação pode ser muito lenta. Se voltarmos do
mesmo jeito, agregando os velhos problemas, só vai afundar mais. Temos que aproveitar
essa oportunidade e propor de fato uma mudança na forma de pagar e de dar assistência,
de forma que consigamos fazer a conciliação que se chama valor, com o
menor custo possível – e aqui entende-se como redução do desperdício – e assim o
paciente não poderá jamais ser subtraído.
José Augusto Ferreira:
Claro
que nós vamos sair com um ganho dessa tragédia, porque ela está nos ensinando
muito, e ela traz consigo uma série de mudanças sociais, econômicas e de comportamento
que são preditoras de mudança. As pessoas passaram a dar muito mais importância
à saúde e ao sistema de saúde que elas contratam, seja o SUS ou plano; elas passaram
a dar mais valor à sua segurança assistencial (o fato de não irem ao PA é um
receio de segurança assistencial, por exemplo), então isso passará a ser um
valor para a sociedade a partir de agora.
A
pandemia nos trouxe isso. De imediato as pessoas vão entender quando você diz “o
serviço A é mais seguro que o serviço B”, e os hospitais e as operadoras que atuarem
de forma adequada, participarem dos movimentos sociais e prestarem serviço
comunitário adequado, com informações de credibilidade, vão sair mais
fortalecidos. Essas marcas podem e devem se unir no futuro: as operadoras um lado
e os serviços hospitalares de outro, e isso vai proporcionar um novo tipo de
interação.
O
paciente também está mudando. Ele provou da tecnologia ao ser atendido à distância
pela telemedicina e gostou, então a questão da conveniência e da comodidade
chegou para ficar na área da saúde. Outra questão fundamental é que, como as
pessoas passaram a entender que é importante ter uma assistência à saúde qualidade,
elas vão demandar mais o produto, portanto nós vamos ter que oferecer planos de
saúde mais acessíveis para essas pessoas. O modelo de funcionamento da rede
também tem que mudar, porque essa crise nos mostrou que algumas áreas podem funcionar
de formas diferentes.
Para
compor um modelo remuneratório novo, ele deverá vir acoplado de um novo formato
de funcionamento do hospital. Eu faço parte do conselho de administração de um
hospital de BH, e os conselheiros me perguntaram em que acho que o hospital tem
que investir no futuro. Eu respondi: “em tudo o que ele não faz hoje”. Atendimento
domiciliar, linhas de cuidado do início ao fim, projetos de assistência ao
longo do tempo, acompanhamento de pacientes crônicos, acompanhamento à
distância de pacientes que recebem alta do hospital... Tudo que ele não faz
hoje, porque ele vai ter que se reinventar.
Se
nós temos a oportunidade de aumentar a eficiência, nós temos também que fazer com
que os hospitais invistam em novas formas de atendimento para oferecer às
operadoras, aí poderá inclusive ser remunerado de forma diferente. E essa
remuneração não é só transformar processos em pacotes, podemos criar redes específicas
para determinados produtos, inclusive com ciclos de cuidado mais longos; podemos
criar redes específicas com o orçamento chamado de global, fechado mediante a
assistência de um número de pacientes e de acordo com a complexidade que o DRG nos
dá; podemos criar redes de relacionamento com regulação através de inteligência
artificial; podemos criar serviços que possam utilizar o corpo clínico do pronto
socorro que talvez fique ocioso no futuro para prestar outro tipo de
atendimento... Nós temos que inovar e fazer diferente daqui para frente.
Marcelo Carnielo:
Obviamente
temos muito a aprender com o que está acontecendo, um problema para o qual não
existe muro nem cerca elétrica. Percebemos que o país mais rico do planeta é o
que está sendo mais afetado com a Covid-19, o que traz um pouco da necessidade de
tratarmos tudo isso com muito mais igualdade e humildade, também com relação à
área da saúde.
Uma
questão importante é a da tecnologia, que há tantos anos se discutia sobre a teleconsulta,
e precisou acontecer algo como uma pandemia para que a gente pudesse colocar
isso em prática e ver quanto tempo perdeu a benefício do paciente, do usuário.
Para mim está clara, mais do que nunca, a oportunidade que o setor da saúde tem de definitivamente fazer a mudança do modelo de remuneração. Atualmente o paciente perde qualidade assistencial porque não pode utilizar o recurso que está disponível no próprio hospital, tudo isso em função de um perverso modelo de remuneração. Precisamos de alternativas ao fee-for-service, formatos muito mais eficientes e que gerem economicidade no setor, tanto para a operadora quanto para o prestador.