Contribuir para o aumento da confiança nas vacinas, estimulando a população a aderir ao esquema vacinal, além de reduzir a situação de vulnerabilidade em relação aos agravos - este foi o principal objetivo do estudo “Situação epidemiológica dos eventos adversos pós-vacinação no Estado de Minas Gerais” conduzido pela enfermeira pesquisadora Fernanda Penido, da UFMG em parceria com a SES-MG.
O estudo avaliou a situação epidemiológica dos eventos adversos pós-vacinação (EAPV) contra a COVID-19 no Estado, no período de 18 de janeiro de 2021 a 28 de julho de 2021. O boletim foi publicado pelo Portal da Vigilância em Saúde de Minas Gerais.
De acordo com o documento, as vacinas contra o novo Coronavírus são produtos novos e, por isso, requerem monitoramento devido às diferentes tecnologias de fabricação e às características de conservação de cada uma.
O processo de farmacovigilância – isto é, a segurança relacionada ao uso de medicamentos – continua em andamento após a utilização do produto na população em geral. Isso é feito para conhecer os EAPV associados às vacinas.
Metodologia e Resultados
Os dados para realização da pesquisa foram obtidos do e-SUS Notifica no Estado de MG, relacionados às vacinas contra o Sars-CoV-2 disponíveis. Foi, então, verificada a ocorrência dos casos suspeitos de EAPV notificados no período analisado, a classificação por gravidade e por imunobiológicos (AstraZeneca, Coronavac, Pfizer/Wyeth e Janssen).
Os autores basearam-se nas seguintes variáveis:
• imunobiológicos administrados
• municípios de notificação
• tipo de evento
• idade
• sexo
• evolução do caso
• e causalidade
Como principais resultados, a especialista Fernanda Penido destaca os seguintes aspectos:
→ Do dia 18 de janeiro ao dia 28 de julho de 2021, um total de 13.885.886 doses das vacinas foram administradas em Minas Gerais. Neste mesmo período, foram notificados 23.732 casos de EAPV – o equivalente a 17% do total de doses administradas.
→ Os EAPV foram classificados de acordo com a gravidade: 1.745 (7,2%) foram considerados Eventos Adversos Graves (EAG), sendo que 772 (3,3%) evoluíram para óbito. Foram classificadas como Eventos Adversos Não Graves (EANG) 21.978 notificações (92,6%).
→ Dos 772 óbitos notificados, 630 (82%) eram idosos acima de 65 anos de idade e 405 (52%) casos ocorreram em pessoas do sexo feminino.
→ Em relação aos Erros de Imunização (EI), 1.797 foram notificados, sendo que 55 intercorreram com algum evento adverso.
→ Quanto à classificação segundo causalidade, 589 casos foram encerrados e 183 estão sendo investigados. Dos encerrados, 576 (74,6%) apresentavam condições preexistentes causadas por outros fatores, portanto, não tiveram relação causal com as vacinas contra Covid-19, sendo apenas associações temporais.
A enfermeira, mestre, doutora e professora Fernanda Penido Matozinhos faz parte do Ecossistema da plataforma Valor Saúde Brasil – sendo membro honorário da Comunidade Acadêmica DRG Brasil. Ela relatou com exclusividade ao Blog Valor em Saúde o que motivou a efetivação desse estudo, o que os resultados significam e, ainda, quais são as recomendações que podem dadas à população brasileira.
Continue a leitura e confira a entrevista!
Conte-nos um pouco sobre o estudo. De onde surgiu a motivação de analisar os eventos adversos pós-vacinação? Qual é a relevância do tema?
FP: Em 2019, criei o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Vacinação (NUPESV), assumindo sua liderança. O NUPESV tem características multidisciplinares, envolvendo pesquisadores e estudantes com interesse na área de vacinação. Tenho me dedicado a fortalecer-me na formação de recursos humanos e o Núcleo tem contribuído para gerar evidências científicas e intelectuais nas pesquisas voltadas para diferentes linhas de pesquisa, como vacinação em crianças, adolescentes, gestantes e idosos. Por meio das atividades regulares do grupo de pesquisa, minha contribuição tem sido na formação intelectual, científica e social de estudantes de doutorado, mestrado e iniciação científica. Em termos sociais, destaco a atuação direta em ações com grupos populacionais carentes de maior atenção à saúde.
Assim, diante da introdução recente das vacinas anticovid-19, a farmacovigilância dos Eventos Adversos Pós-Vacinação (EAPV) tem extrema relevância, pois a confiança em qualquer desses imunobiológicos será crucial para seu sucesso.
Os EAPV podem contribuir para essa falta de confiança, diminuição na adesão ao esquema vacinal e, consequentemente, na cobertura vacinal, além de aumentar a situação de vulnerabilidade da população em relação aos agravos imunopreveníveis.
Estudos como este se mostram muito importantes para melhor compreender o cenário e analisar os EAPV contra o SARS-CoV-2 (COVID-19) no estado de Minas Gerais (MG), Brasil.
O que significa “eventos adversos pós-vacinação associados a imunobiológicos”? Pode citar alguns exemplos?
FP: Qualquer sinal ou sintoma grave, indesejável ou inesperado, manifestado no indivíduo que tenha recebido qualquer tipo de imunobiológico é considerado um EAPV e pode ser causado por vários fatores relacionados aos componentes do imunobiológico, ao processo de vacinação ou ao vacinado.
O Ministério da Saúde (MS) estabelece que todos os EAPV, em consonância com as definições de casos já estabelecidos no Manual de Vigilância Epidemiológica de Eventos Adversos Pós-Vacinação, deverão ser notificados, processo que segue o fluxo estabelecido pelo Programa Nacional de Imunização (PNI), por meio do sistema e-SUS Notifica.
Os EAPV podem ser classificados, como: Eventos Adversos Graves (EAG), qualquer evento que requeira hospitalização, comprometa o paciente, ou seja, que ocasione risco de morte e que exija intervenção clínica imediata para evitar o óbito, cause disfunção significativa ou incapacidade permanente, resulte em anomalia congênita ou ocasione o óbito; Eventos Adversos Não Graves (EANG), todos aqueles que não se enquadram nos critérios de EAG.
A literatura demonstra que, até o momento, os EAPV causados por vacinas contra a covid-19 resolveram-se dentro de 24 horas após a vacinação, tendo como reação adversa local mais comum a dor ou sensibilidade na região da aplicação, e como reação adversa sistêmica a fadiga, a febre, ou a dor corporal.
Quais são as instituições de ensino e pesquisa envolvidas no estudo?
FP: O Núcleo de Estudos e Pesquisa em Vacinação (NUPESV), liderado por mim, conta com parceiros para publicações acadêmicas conjuntas: a Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES-MG), a Coordenação Estadual do Programa de Imunizações e a Referência Técnica da Coordenação de Imunização.
O estado de Minas Gerais se estabeleceu, dentre os estados brasileiros, um dos que mais notificam EAPV. As notificações, podem, portanto, ser reflexo do trabalho da SES-MG, que é frequentemente acionada para aperfeiçoar o processo de notificação junto aos municípios notificadores que as compõem e, assim, melhorar a qualidade dos dados produzidos pelo nível central.
A partir dos resultados obtidos com a pesquisa, o que foi possível concluir? Quais são as recomendações para a comunidade de pesquisadores, acadêmicos e profissionais de saúde?
FP: Esse trabalho demonstra a segurança das vacinas contra covid-19 para a população.
A maioria dos casos suspeitos de EAPV foram considerados EANG e os resultados encontrados sugerem, ainda, que os óbitos pós-vacina anticovid-19 não estavam relacionados à vacinação, mas foram decorrentes de condições preexistentes causadas por outros fatores, e não pelas vacinas.
O estudo suscita a discussão sobre a importância dos registros dos EAPV decorrentes das vacinas contra covid-19 e espera-se que sensibilize os profissionais para atribuírem maior atenção ao preenchimento adequado e completo dos registros e maior empenho em notificar os eventos adversos, contribuindo, assim, para a segurança do paciente.
E para a população em geral, quais são as orientações que você daria?
FP: Vacinem-se! Temor a vacinas é comum a todas as populações, mas os benefícios superam os riscos!
A queda das taxas de cobertura vacinal brasileiras, verificadas desde 2013, evidencia a necessidade de investigar, dentre os fatores potencialmente relacionados, a hesitação vacinal e a divulgação de falsas informações sobre a ausência de efetividade das vacinas e eventos adversos inexistentes em redes sociais.
Espera-se que esse trabalho contribua para a manutenção ou aumento da cobertura vacinal, mesmo diante do desafio vivenciado pela pandemia de COVID-19.
Sobre a autora
Fernanda Penido é enfermeira, com Mestrado e Doutorado em Saúde e Enfermagem, pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em 2016, assumiu o concurso para professor Adjunto na UFMG. Sua inserção na pós-graduação também ocorreu em 2016, como orientadora plena, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFMG. Também coorienta doutorado no Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde, área de concentração “Saúde da Criança e do Adolescente”, da UFMG.
Suas atividades de pesquisa têm se concentrado em duas áreas: Vacinação e Epidemiologia de Doenças Crônicas Não Transmissíveis, consumo de recursos, segurança da assistência e seus possíveis determinantes. A primeira linha objetiva estudar os aspectos ambientais, epidemiológicos e clínicos da vacinação em crianças, adolescentes, gestantes e idosos, contemplando estudos que incluem o uso de bases de dados nacionais e internacionais e investigam a associação entre as variáveis em análises bivariadas, estratificadas e em modelos multivariados.
Atua como membro da Sociedade Brasileira de Imunizações e da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras e como colaboradora do Grupo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Ambiente Alimentar e Saúde e do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Epidemiologia, ambos da UFMG. No âmbito dessa atuação, oficializou um acordo de cooperação acadêmica com a Unidade Local de Saúde de Matosinhos, em Portugal.
Essas parcerias nacionais e internacionais, além de fortalecer sua experiência em atividades de gestão acadêmica e científica, incluindo a gestão de projetos financiados em editais de fomento, possibilitam-na aprimorar o debate intelectual, científico e social sobre a vacinação nos diferentes ciclos de vida e a importância de oferecer informações epidemiológicas para o aprimoramento de políticas de saúde pública capazes de melhorar a taxa de vacinação, por meio da identificação de grupos específicos da população que necessitam de maior atenção por parte do Estado e dos profissionais de saúde.
Créditos e Referências