Covid-19: diagnóstico laboratorial para a segurança dos profissionais da saúde e da população
DRG Brasil
Postado em 26 de junho de 2020 - Atualizado em 23 de outubro de 2023
O laboratório é essencial na tomada de decisões seguras, sobretudo neste período de pandemia. Veja como escolher o exame mais adequado para as diversas situações do dia a dia, quando é recomendado usar o RT-PCR, a sorologia e os testes antigênicos.
O
laboratório é essencial na tomada de decisões seguras para o profissional de
saúde e para toda a população, sobretudo neste período de pandemia do novo
Coronavírus.
Você
sabe escolher o exame mais adequado para as diversas situações do dia a dia,
quando é recomendado usar o RT-PCR, a sorologia e os testes antigênicos?
Neste programa, o DRG Brasil conversou com dois renomados especialistas na área, Dr. Daniel Ribeiro, Hematologista do Hospital das Clínicas da UFMG, do Laboratório São Paulo e da Clínica Hematológica e Dr. José Nélio Januário, Professor de Clínica Médica da UFMG e Diretor-geral do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da UFMG.
O
propósito foi esclarecer quais são os métodos laboratoriais mais adequados para
obter o diagnóstico nas diversas fase da doença, retirar o paciente do
isolamento, afastar e restituir o trabalhador ao expediente, além de saber quando
usar o exame RT-PCR, a sorologia e os testes antigênicos.
Veja abaixo o detalhamento das falas mais relevantes da entrevista:
Tania Grillo: Para iniciar nossa pauta, passo a palavra ao Nélio para responder à
pergunta; quais são os testes diagnósticos que existem hoje para a COVID-19?
José Nélio Januário: São duas categorias de testes: uma de testes sorológicos que fazem a
detecção de anticorpos ou antígenos, a outra de testes moleculares, que é o
RT-PCR, que está sendo considerado como padrão ouro para o diagnóstico da
COVID-19. A diferença é que, com este teste, é feita a busca pelo genoma viral.
É um teste muito sensível, porém existem variantes em torno da realização do
teste que podem diminuir a sua sensibilidade.
Tania Grillo: Um tema de muita relevância é o que influencia em termos de
sensibilidade e especificidade? Levando a valores preditivos positivos e
negativos e que podem ser influências externas, e não especificamente do exame.
Sabemos que não é apenas coletar, deve-se ter uma sequência tanto temporal de
exposição a doença quanto da técnica da coleta de material.
José Nélio Januário: Tudo começa pelo tipo de secreção que você coleta, lembrando que o exame
de PCR é feito em secreções e não no sangue, como algumas pessoas acreditam. O
exame é realizado em secreções retiradas do trato respiratório superior e
inferior. As secreções que trarão mais precisão nos resultados são as do trato
respiratório inferior, mas este é de difícil acesso, só é possível realizar em
pacientes entubados ou traqueostomizados, ou é possível ainda coletar através
de exame com o broncoscopia.
Essas amostras do trato respiratório inferior são muito ricas, pois o
teste é dependente da carga viral que vem no conteúdo da amostra. Para trazer
um exemplo em termos de sensibilidade, o lavado broncoalveolar possui uma
sensibilidade de 93%, o escarro 72%, o nasal 65%, a orofaringe tem uma
sensibilidade bem baixa, em torno de 40%. É importante não fazer somente a
coleta da orofaringe, é sempre necessário combinar com outros sítios.
Tania Grillo: Daniel, o Nélio falou sobre outro seguimento, a questão do genoma que é
a busca do RNA, e os anticorpos e antígenos. Como isso funciona?
Daniel Ribeiro: É importante colocar que são testes com objetivos diferentes. O teste
rápido, que é um teste sorológico que mostra a quantidade de anticorpos que o
organismo produziu depois de entrar em contato com o vírus, irá positivar mais
tardiamente do que o teste do RT-PCR, que vai pegar o genoma do vírus. Ele tem
o objetivo de falar sobre o passado da infecção e talvez sobre uma possível
imunidade.
Tania Grillo: Esta é uma questão que devemos abordar também: uma vez infectado, o
indivíduo está imunizado? Temos um gráfico para apresentar, peço ao Daniel para
explicar como funciona a questão temporal.
Daniel Ribeiro: Na curva da carga viral, é possível observar que no dia do início dos
sintomas já existe aumento da carga viral, e ela começa a cair a partir daí. Na
prática temos visto que a partir do 10º, 14º dia, a IgM começa a subir, e nesse
período a IgG começa a subir também. Não sabemos quando irão cair, não sabemos
quando esses anticorpos vão negativar, não sabemos se a imunidade do IgG é
duradoura ou transitória.
Então o raciocínio é esse: quadro agudo com PCR positivo, começa a
produção de anticorpos, irá positivar IgM basicamente junto com IgG, e ainda
não sabemos quando esses irão negativar.
Tania Grillo: Um fato importante que o gráfico mostra é o alto índice de carga viral
na fase pré sintomática, ou seja, nesta fase o potencial da transmissão da
doença é muito alto, mesmo antes de iniciar os sintomas.
Daniel Ribeiro: Diferente de outras viroses, em que o paciente tinha que estar grave
para ter aumento de carga viral e com isso transmitir a doença, o que
dificultava a transmissão e ajudava a conter a doença, a COVID-19 tem alto
poder de transmissão até mesmo antes do início dos sintomas. Isso dificulta
muito a contenção da doença.
José Nélio Januário: É importante colocar que só é relevante coletar a PCR nos primeiros dias
da infecção, o ideal seria do 3° ao 5º dia. Quando mais tempo passar do início
da infecção, mais o teste vai perdendo a sensibilidade.
Tania Grillo: Está claro para todos que existe uma temporalidade da resposta orgânica
à presença do vírus. Temos a fase pré sintomática, que não se sabe ainda
quantos dias são; até 7 dias depois do início dos sintomas temos uma janela
onde o vírus viável de ser transmitido é identificado pela técnica da RT-PCR; a
partir da 2ª semana já começa uma curva bem ascendente dos anticorpos e então
passa a ser uma fase de mensuração. A pergunta é: se os sinais e sintomas são
muito favoráveis, existe a necessidade de fazer um segundo teste de PCR?
José Nélio Januário: Em termos clínicos, a indicação para fazer o PCR é em casos de pacientes
com sinais e sintomas compatíveis com a doença, que são 2 quadros: a síndrome
gripal e a síndrome respiratória aguda grave, esses são os casos com indicação
de realizar o PCR.
Daniel Ribeiro: É interessante reforçar que a resposta que todos querem é: daqueles
pacientes que tem o teste positivo, quantos deles são doentes? Quando faço esta
pergunta estou falando de valor preditivo positivo, ou seja, o quanto o teste
tem o poder de predizer que aquela pessoa está doente. E isso tem muito a ver
com a prevalência da doença, assim, a importância de considerar o quadro
clínico do paciente para interpretar os exames é enorme, tanto para o exame de
RT-PCR quando para o de sorologia. A relação clínico-laboratorial é muito
importante.
Tania Grillo: Queria a opinião de vocês sobre a importância de testar toda a
população. Isso seria realmente relevante no cenário atual da pandemia?
José Nélio Januário: Não podemos ficar restritos a uma visão de saúde pública em que testagem
tem que ser feita somente em pacientes sintomáticos, de preferência paciente
grave. Eu acho que esse erro foi cometido aqui no Brasil, inclusive no início da
pandemia. Não seria necessário testar toda a população, existem métodos com os
quais, fazendo a coleta de pequenas amostras de populações, seria possível
identificar como a pandemia está se comportando, e aí as ações são tomadas de
acordo com cada população.
O teste deve ser feito em todos os pacientes que foram a óbito e em
todos os profissionais de saúde sintomáticos. Se não for possível fazer o teste
PCR, tem que fazer pelo menos o teste rápido e preferencialmente o recomendado
pela Secretaria de Saúde do estado.
Daniel Ribeiro: Uma medida de segurança que adotamos é fazer a validação dos testes,
utilizando-os em pacientes já com confirmação de positivo e negativo para
COVID-19, para com isso entender como o teste funciona. A sorologia é muito
interesse nesse caso, porque ela é mais barata, mais rápida e mais fácil de ser
realizada, ela irá ajudar a entender o percurso e a evolução da doença.
Tania Grillo: Faz sentido avaliar a situação de colaboradores afastados com teste
rápido como critério de retomada das atividades?
Daniel Ribeiro: Está publicado pela Secretaria de Saúde para utilizar o teste rápido a
partir do 8º dia do início dos sintomas, vou compartilhar minha opinião sobre
isso: eu fico temeroso de reintroduzir uma pessoa na sociedade baseado em um
teste sorológico negativo, pois o valor preditivo negativo da sorologia é muito
ruim, porque a sensibilidade não é boa.
O valor preditivo negativo é a quantidade de indivíduos doentes que tem
o teste negativo confirmado.
Tania Grillo: Pacientes com sintomas gastroenterológicos específicos terão o mesmo
índice de positividade de RT-PCR que os pacientes com sintomas respiratórios?
José Nélio Januário: Eu sinceramente não conheço ainda nenhum trabalho nesse sentido, mas
nesse caso eu utilizaria todos os recursos disponíveis. Eu tendo a achar que
sem sintomas respiratórios é complicado, pois a amostra é retirada do trato
respiratório do indivíduo.
Se a sintomatologia te levar a pensar muito, vale a pena aguardar e
fazer a sorologia de anticorpos mais tardia, para acompanhar se ouve ou não a
formação de anticorpos.
Tania Grillo: Quanto tempo uma pessoa que teve contato com um indivíduo sintomático
deve aguardar para fazer o exame e investigar se está contaminado ou não?
Daniel Ribeiro: É importante lembrar que tem ocorrido muitos casos de IgM falso
positivo, pois sem os sintomas não se dá muita atenção para este dado isolado.
É muito pouco provável que os pacientes com a produção de IgM transmita a
doença. Se o contato ocorreu em um momento em que o paciente positivo estava
sem sintomas, não considero esta situação preocupante.
José Nélio Januário: Concordo com o Daniel, e aliás, acho também que devemos analisar o tipo
de contato, a distância desse contato, para avaliar melhor o risco de
contaminação.
Tania Grillo: Eu gostaria de compartilhar as questões de exposição ocupacional, em
especial falando de hospitais e clínicas em que as pessoas naturalmente devem
estar usando máscaras, é necessário graduar em alto, médio e baixo o risco de
exposição, e a partir daí fazer o acompanhamento do tempo de exposição, para
definir se o exame é indicado e qual é o tipo de exame indicado. Nos casos de
alto grau de exposição a um individuo na fase inicial dos seus sintomas é
indicado o teste de RT-PCR, se não for esse o caso, tem que avaliar o contexto
da exposição para verificar a viabilidade do teste de anticorpos. E quanto à IgA?
Daniel Ribeiro: No início da pandemia saíram vários artigos falando que a IgA é mais
precoce e mais sensível do que a IgM, mas isso não se confirmou. O que estamos
vivenciando é que tanto a quimioluminescência quanto o ELISA, que são testes de
laboratório realizados com soro, quando comparados, a sensibilidade e
especificidade deles não é muito diferente.
É muito cedo para falar que existe um teste sorológico melhor do que
outro. O IgA não é muito utilizado na fase aguda de nenhuma doença, e a
impressão que eu tenho é que não teria diferença.
Tania Grillo: O que vocês pensam sobre o início do inverno brasileiro, com relação aos
demais vírus comuns dessa época, vale a pena fazer um painel viral quando estão
sendo coletadas amostras para suspeita de COVID-19? Qual seria a abordagem mais
adequada considerando a epidemiologia brasileira?
José Nélio Januário: No âmbito clínico acredito que com a chegada do inverno, isso irá
complicar um pouco. Será necessário coletar mais material, o que vai aumentar o
custo da propedêutica, e o aumento das informações irá complicar um pouco mais
a análise desses dados. A Secretaria de Saúde já tem as sentinelas montadas
para isso, são os postos sentinelas que enviam amostras dos vírus para a FUNED,
que já processa essas amostras procurando uma visão mais epidemiológica.
Daniel Ribeiro: Como sabemos, a co-infecção não é frequente. A infecção de COVID-19 e de
outro vírus é muito pouco provável, então a única coisa que facilitaria para
saber o perfil viral de um paciente com um quadro desse, seria retirá-lo do
isolamento de forma a melhorar o fluxo de funcionamento dentro dos hospitais.
Tem que haver uma ponderação de todo o custo, não só financeiro, como
também custo da exposição e da invasão do paciente.
Tania Grillo: É recomendado rastreio ou profilaxia pra TEV no paciente
com COVID-19 assintomático que apresente Dímero-D alto > 10.000 ?
Daniel Ribeiro: Primeiro vamos falar um pouco do Dímero-D, precisamos enxergá-lo como um
teste com excelente valor preditivo negativo, mas com péssimo valor preditivo
positivo. Ele é muito sensível e pouco específico, então na grande maioria das
vezes a utilidade do Dímero-D é quando ele vem negativo.
O que temos visto em casos de Dímero-D positivo é indicação de um risco
maior de primeiro evento de trombose ou de recorrência. O que tem acontecido na
COVID-19 é que ela é uma doença inflamatória, e geneticamente sabemos que
inflamação e coagulação são ativadas no mesmo lugar, então tudo que inflama
leva à ativação da coagulação e tudo que coagula leva a ativação da inflamação.
Elas se retroalimentam, então um paciente muito inflamado vai ter um Dímero-D muito
alto.
O que temos recomendado em termos de profilaxia, é que se o paciente que
internou porque tem COVID-19, seja na unidade de internação ou no CTI, ele
merece uma profilaxia independente dos valores do Dímero-D. Não há nada na
literatura comprovando que existe benefício em aumentar a dose de heparina,
então paciente internado é profilaxia, paciente na comunidade não tomar nenhuma
conduta.
Tania Grillo: A realização de testes em pacientes
assintomáticos, sem a possibilidade de se calcular a janela da data da
exposição, é recomendada?
José Nélio Januário: Sem sintomas, em termos epidemiológicos, essa abordagem poderia se
justificar se esse paciente pertencesse a um grupo de risco pensando no
ambiente onde ele está, por exemplo tribos indígenas. Em ambiente urbano não
haveria sentido fazer uma propedêutica em um paciente totalmente assintomático.
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