Conheça iniciativa implantada em Fraiburgo/SC para garantir um atendimento mais humanizado a pessoas que tentaram suicídio e a seus familiares
As instituições de atenção primária são a “porta de entrada” para o sistema de saúde. É um serviço mais acessível criado para solucionar problemas de saúde comuns. As instituições da atenção primária devem ter como meta principal o estabelecimento de uma relação de confiança de longo prazo com os indivíduos e com a comunidade.
Quando o trabalho de atenção primária é bem feito, é possível prevenir e tratar inúmeras doenças, promover mais bem-estar para toda a população e oferecer mais acesso aos níveis de atenção complexos.
Este post vai contar a história do Projeto Vida, implantado no município de Fraiburgo/SC, que é um exemplo de como é possível entregar valor em saúde na atenção primária. A iniciativa melhorou o atendimento prestado às pessoas que tentaram suicídio e a seus familiares.
“O acolhimento inicial e os encaminhamentos adequados as tentativas de suicídio tendem a reduzir as reincidências, diminuindo a necessidade de intervenções adicionais”, diz Bethania Rohling, coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da Prefeitura Municipal de Fraiburgo.
Números do suicídio no mundo e no Brasil
A OMS estima que mais de 700.000 pessoas morrem por suicídio a cada ano e que quase 77% de todos os suicídios globais ocorram em países de baixa e média renda. É a quarta maior causa de mortes de jovens de 15 a 29 anos de idade.
Em 2019, 97.339 pessoas morreram por suicídio na Região das Américas, e estima-se que 20 vezes esse número possa ter feito tentativas de suicídio.
Entre 2010 e 2019, ocorreram no Brasil 112.230 mortes por suicídio, com um aumento de 43% no número anual de mortes, de 9.454 em 2010, para 13.523 em 2019. Análise das taxas de mortalidade ajustadas no período demonstrou aumento do risco de morte por suicídio em todas as regiões do Brasil.
Diante dessa realidade, qual atendimento de saúde é garantido aos pacientes que tentaram suicídio? Por vezes, a falta de direcionamento, a sobrecarga e a carência de um fluxograma para o atendimento dos pacientes de violência autoprovocada, gera um atendimento emergencial e pouco resolutivo.
Sobre o Projeto Vida
O Projeto Vida, implantado no município de Friburgo/SC, articula os serviços de Vigilância Epidemiológica e Saúde Mental, por meio do Centro de Atenção Psicossocial I, para garantir um atendimento humanizado às pessoas que tentaram suicídio e a seus familiares.
O processo de elaboração do Projeto Vida iniciou-se em 2013, quando foram realizadas discussões regionais para organização da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e elaboração do Protocolo de Saúde Mental do município de Fraiburgo. Foram realizadas reuniões intersetoriais para discussão do tema suicídio e a forma como seria implantada a Portaria MS/GM nº 1.876, de 14 de agosto de 2016,7 a qual institui as diretrizes nacionais para prevenção do suicídio.
A integração entre a Vigilância Epidemiológica e o CAPS I possibilitou o desenvolvimento de um fluxo de trabalho: a Vigilância Epidemiológica recebe uma notificação de intoxicação exógena e informa de imediato ao CAPS I, via correio eletrônico, para que este realize o atendimento e o acompanhamento do caso identificado; preste as devidas orientações aos familiares; e, munido de informações como esta, realize o mapeamento das tentativas e óbitos por suicídio. Os eventos são registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e em uma planilha composta pelos seguintes dados: período da ocorrência; dados pessoais; endereço; escolaridade; ocupação; forma da tentativa; motivo; transtorno mental associado; reincidência; se realizava tratamento e acompanhamento em algum serviço do território; fatores de risco e de proteção.
Esse controle serve para definir o perfil da população que tenta suicídio independentemente da faixa etária, bem como para o desenho de ações de prevenção no território. A implantação do Projeto Vida foi em abril de 2014. Foram realizadas as seguintes ações:
- Capacitação dos profissionais da saúde para identificar situações de risco e preencher corretamente a Notificação de Intoxicação Exógena.
- Atendimento humanizado à pessoa que cometeu a tentativa de suicídio, a ser acompanhada individualmente ou incluída em grupo terapêutico no CAPS I e/ou da Atenção Básica.
- Atendimento aos familiares das pessoas que evoluíram para óbito por suicídio e das que tentaram suicídio, mediante orientações no atendimento individual.
- Realização de ações de promoção da saúde e valorização da vida.
- Monitoramento dos casos de óbito por suicídio e tentativas de suicídio, para elaboração do diagnóstico do território.
Resultados
O Projeto Vida possibilitou o diálogo entre os serviços da rede sobre seu papel diante das questões relacionadas ao suicídio. Ampliou-se a dimensão e imprimiu-se continuidade no cuidado prestado às pessoas que tentaram suicídio, por vezes limitado à atendimentos pontuais, realizados pelo serviço de urgência e emergência.
Os casos de tentativas de suicídio são de notificação compulsória. Com a implantação do Projeto, o município de Fraiburgo deixou de ser um mero notificador e passou a analisar os dados notificados, advindos do atendimento prestado.
O levantamento do perfil epidemiológico e o diagnóstico do território permitiram o desenvolvimento de ações estratégicas para prevenção do suicídio e promoção da saúde, como:
- Formação de grupos de saúde mental em todas as equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF).
- Matriciamento (modo de produzir saúde em que duas ou mais equipes, em um processo de construção compartilhada, criam uma proposta de intervenção pedagógico-terapêutica) bimestral com as equipes da ESF, do CAPS I e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).
- Criação e manutenção dos espaços de convivência com grupos de alimentação saudável, atividades físicas, dor crônica.
- Intervenções no território, mediante campanhas de valorização da vida, rodas de conversa, folders informativos e discussões nos grupos existentes no território.
“Espero que o Projeto Vida forneça subsídios para implementação de projetos e programas que reorganizem fluxos, garantindo que as equipes existentes se articulem de maneira que o atendimento vá além da sala de emergência e garanta um cuidado certo, integral a dor e ao sofrimento que geraram a tentativa de suicídio. Cabe ressaltar que as estatísticas não bastam por si, o recomendado é fazer uma análise cuidadosa para a conversão dos dados em práticas de transformação e resultados efetivos na promoção, prevenção e tratamento de saúde, a exemplo do Projeto Vida”, finaliza Bethania.
Créditos/ Imagens
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