Cenário do Sistema Único de Saúde: criação, fundamentos e desafios
DRG Brasil
Postado em 15 de março de 2022 - Atualizado em 23 de outubro de 2023
Entenda a concepção da saúde pública no Brasil, alguns artigos que a regem, como o financiamento é praticado e quais são as oportunidades de melhoria, neste trecho do capítulo escrito por Jomara Alves e Lorena Furbino para o livro DRG Brasil – Transformando o sistema de saúde brasileiro e a vida das pessoas, de 2018.
O contexto do SUS – Sistema Único de Saúde
A saúde passou a ser protegida juridicamente, nos Estados modernos, por meio de um conjunto normativo que a reconhece como Direito de todos e dever do Estado, e que estabelece uma série de obrigações aos agentes públicos e aos cidadãos para a sua plena realização enquanto direito fundamental.
No Brasil, a Constituição da República de 1988 (CR/88) ratifica a condição, garantindo-a “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
A saúde, reconhecida como um direito social, demanda uma interação entre o Estado e a sociedade, para que haja constante desenvolvimento das condições que permitirão o acesso universal e integral aos serviços. Isso porque os direitos sociais exigem uma atuação efetiva do Estado para a sua garantia, por meio da implementação de ações e políticas públicas que busquem atender às necessidades sociais.
O ciclo de implementação das políticas públicas contempla o planejamento, a elaboração/formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação, por meio da interação dos diversos atores políticos, públicos, privados e a sociedade. No SUS, os serviços e ações públicas ainda devem se organizar conforme disposto no artigo 198 da CR/88, por meio de uma rede regionalizada e hierarquizada organizada com diretrizes de descentralização, atendimento integral e participação da comunidade.
Diante da quantidade e da complexidade das atividades que desenvolvem, do volume de recursos envolvidos e da responsabilidade de garantir o acesso da população às ações e serviços de qualidade de saúde, o Sistema Único de Saúde e as instituições a ele vinculadas não podem correr o risco de improvisos. É por isso que os itens que compõem o ciclo de políticas públicas estão expressamente determinados pelas normas vigentes do SUS.
Como exemplos, podemos destacar:
O art. 15, do Decreto 7.508/2011, que enfatiza o conceito de um planejamento integrado, ascendente e participativo e estabelece o planejamento como obrigatório para os entes públicos e indutor de políticas para a iniciativa privada;
O art. 36, parágrafo 2º, da Lei 8.080/90, que estabelece a restrição de “transferência de recursos para o financiamento das ações não previstos no Plano de Saúde”
E o art. 4º da Lei 8.142/90, que estabelece que, para o recebimento de recursos, os Municípios, os Estados e Distrito Federal devem possuir Plano de Saúde e Relatório de Gestão.
Para a implementação de qualquer política pública e da prestação de serviços para a população, é necessário que se faça análise permanente do contexto e dados existentes, bem como das perspectivas de curto, médio e longo prazo. Além, claro, de realizar as consequentes adaptações e melhorias necessárias e possíveis.
Neste sentido, é importante ressaltar alguns aspectos que influenciam nos desafios atuais do SUS:
Redução da taxa de fecundidade;
Aumento da expectativa de vida;
Transição epidemiológica;
Aumento da complexidade da assistência à saúde;
Aumento da prevalência das doenças crônicas;
Crescente demanda da sociedade por serviços de qualidade;
Gestão fragmentada da atenção à saúde;
Aumento dos custos e da inflação da saúde;
Congelamento das receitas e subfinanciamento do SUS;
Ineficiência e desperdícios na gestão do sistema de saúde.
Apesar dos inquestionáveis avanços no SUS desde sua instituição,alguns desafios que foram tratados em 2006, no livro do Conselho Nacional de Secretários de Saúde - CONASS, intitulado SUS: Avanços e Desafios, ainda persistem. Eles foram resumidos em:
Desafio da universalização;
Desafio do financiamento;
Desafio do modelo institucional;
Desafio do modelo de atenção à saúde; e
Desafio da participação social.
Contexto do financiamento X eficiência e qualidade
Em relação ao desafio do financiamento/custos, a análise recorrente diz respeito à insuficiência dos recursos financeiros para se construir um sistema público universal. A questão do financiamento sempre foi tema no SUS, mas é relevante chamar atenção para o cenário atual de agravamento da crise política, econômica e social que vive o país, que obviamente tem reflexos na política e na gestão dos serviços do SUS.
Neste sentido, vale ressaltar as alterações constantes das normas constitucionais vigentes. A Emenda Constitucional 29, de 2000, estabeleceu recursos mínimos para financiamento em ações e serviços de saúde, considerando percentual da receita corrente líquida – RCL para os Estados (12%) e Municípios (15%).
A Emenda Constitucional 86, de 2015, estabeleceu que o valor de gasto com saúde deve ser o mesmo valor do ano anterior acrescido da variação do Produto Interno Bruto – PIB, considerando um aumento progressivo do percentual de gastos com saúde até chegar a 15% da RCL da União em 2018. Entretanto, tal dispositivo foi revogado pela Emenda Constitucional 95, de 2016.
A nova regra determinou o teto dos gastos públicos em 15% da RCL para saúde na União em 2016. A partir de então, o executado em 2016 correspondeu ao teto do gasto para 2017 mais a correção da inflação. E nos anos seguintes, o teto de gastos com a Saúde será o correspondente ao executado no ano anterior acrescido da correção pelo IPCA acumulado de 12 meses até junho do ano anterior.
Segundo relatório do Banco Mundial de 2017, o Brasil gasta em saúde 9,2% do PIB, comparável à média dos países da OCDE, apontado em 8,9%. Nas duas últimas décadas, observou-se no Brasil um aumento de 1,8 ponto percentual no indicador, enquanto, entre os países da OCDE, o aumento da média foi de 2,3%.
A maior parte do que é gasto no país, no entanto, ocorre fora do setor público. A parcela pública, que representa 48,2% da despesa total com saúde, é significativamente mais baixa do que a média entre os países da OCDE (73,4%). Em 2016 o gasto público, que totalizou R$ 246 bilhões (R$ 106,2 Bi da União, R$ 63,3 Bi dos Estados e R$76,6 Bi dos municípios), representou 3,9% do PIB. Segundo projeção da OCDE, em 2060, poderia chegar a 12% do PIB, mas tal projeção foi impactada pela publicação da EC 95/2016 citada anteriormente.
Apesar do subfinanciamento da saúde no Brasil, especialmente em relação ao setor público, existem inúmeros estudos que demonstram as oportunidades para a melhoria da qualidade do gasto e da prestação da assistência à saúde, e que indicam haver desperdícios no sistema de saúde.
Segundo o relatório da OCDE de 2015, por exemplo, os hospitais respondem atualmente por 70% das despesas da União com saúde pública, em comparação com a média de 40% na OCDE. A experiência internacional mostra que muitos serviços podem ser fornecidos a custos mais baixos fora dos hospitais. Embora o SUS tenha conseguido reduzir o papel dos hospitais como a fonte habitual de atenção à saúde e aumentar o uso de unidades básicas, mais da metade dos atendimentos de emergência poderia ter sido tratada nas tais unidades.
De acordo com o relatório do Banco Mundial já mencionado, seria possível economizar aproximadamente R$ 22 bilhões, (0,3% do PIB) no SUS sem prejuízo ao nível dos serviços prestados ou nos resultados de saúde. Isso caso a eficiência de todos os municípios fosse equiparada, isto é, nivelada aos de melhor desempenho.
A eficiência média dos serviços primários de saúde é estimada em 63%, ao passo que, para os serviços de saúde secundário e terciário ("atendimento hospitalar"), a eficiência média é muito baixa, 29%. Isso significa que há oportunidade para melhorar consideravelmente a prestação de serviços utilizando o mesmo nível de recursos.
Por outra perspectiva, esses resultados indicam que seria possível reduzir os gastos em 23% na saúde primária mantendo os níveis de resultados (o que implicaria um potencial de economia de R$ 9,3 bilhões), e em 34% nos serviços hospitalares (uma economia potencial de R$ 12,7 bilhões).
Belo Horizonte melhora a eficiência hospitalar e garante maior acesso da população ao sistema de saúde
Os desafios citados no contexto geral também se aplicam ao SUS de Belo Horizonte. Por isso, em 2017, a Secretaria Municipal de Saúde começou a implantar a metodologia de Grupos de Diagnósticos Relacionados em sete hospitais 100% SUS da capital, que juntos somam mais de 50% dos leitos públicos de BH. Em 2019, essas instituições ingressaram no projeto Qualidade e Segurança Assistencial da SMS, como um dos desdobramentos da implantação do DRG.
Após a implantação dos Grupos de Diagnósticos Relacionados em hospitais da rede pública que concentram 53% dos leitos SUS belo-horizontinos, foi possível atender mais 1.700 pacientes por mês sem necessidade de recursos adicionais.
Ou seja, em apenas um ano foi possível ofertar mais 20.400 internações hospitalares, mesmo havendo redução na contratação de leitos. Isso corresponde à construção de um hospital de 250 leitos, sem precisar mover um tijolo e sem gastar um real.
Resultado: a implantação da metodologia de Grupos de Diagnósticos Relacionados (DRG) na rede de saúde pública de Belo Horizonte concorreu com iniciativas de vários países em premiação do BID – e foi reconhecida como a melhor da categoria Planejamento Estratégico de Municípios.
Direitos autorais: CC BY-NC-SA Permite o compartilhamento e a criação de obras derivadas. Proíbe a edição e o uso comercial. É obrigatória a citação do autor da obra original.
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